Distrato em Contratos Imobiliários: Análise Jurídica e Implicações Práticas
- Valeria Meireles
- 8 de nov. de 2024
- 6 min de leitura
1. Conceito de Distrato
O distrato constitui ato jurídico bilateral pelo qual as partes contratantes, de comum acordo, optam por extinguir um contrato previamente celebrado. Diferentemente da rescisão contratual, que pode ocorrer de forma unilateral ou judicial, o distrato pressupõe o mútuo consentimento das partes envolvidas.
No âmbito imobiliário, o distrato é frequentemente utilizado em contratos de compra e venda de imóveis, notadamente em aquisições na planta ou durante a fase de construção. As causas que motivam a extinção do contrato podem incluir a desistência do comprador, dificuldades financeiras inesperadas ou até mesmo atrasos substanciais na execução do empreendimento. Nessas situações, o distrato surge como uma solução consensual para a extinção das obrigações contratuais, mitigando potenciais conflitos e permitindo que ambas as partes ajustem suas expectativas e interesses de acordo com as circunstâncias.
2. Previsão Legal
O distrato possui previsão legal no artigo 472 do Código Civil Brasileiro, que estabelece que os contratos podem ser rescindidos pela mesma forma exigida para sua celebração. Mais especificamente, a Lei nº 13.786/2018, conhecida como "Lei do Distrato," regulamenta os distratos no setor imobiliário, introduzindo diretrizes que visam proporcionar maior segurança jurídica às partes envolvidas, especialmente em relação às penalidades aplicáveis, prazos de devolução de valores e garantias contratuais.
Para que o distrato produza seus efeitos, é imprescindível que sejam observados certos requisitos, tais como:
Acordo de vontades: A extinção do contrato deve decorrer do consenso entre as partes, não sendo admissível decisão unilateral para a formalização do distrato.
Ausência de vícios de consentimento: A manifestação de vontade deve estar livre de erro, dolo ou coação, garantindo que a decisão seja consciente e voluntária por ambas as partes.
Forma do distrato: A forma de celebração do distrato deve obedecer à formalidade adotada no contrato original. Assim, se o contrato foi realizado por escrito, o distrato deve igualmente ser formalizado por escrito, a fim de preservar a segurança e integridade dos atos jurídicos.
A formalização do distrato ocorre, portanto, por meio de um termo específico, no qual devem constar todas as condições ajustadas, como as disposições sobre devolução de valores, multas e eventuais responsabilidades remanescentes. Recomenda-se, ainda, que ambas as partes contem com assessoria jurídica para a análise das disposições pactuadas, visando assegurar a validade do ato e prevenir potenciais litígios.
Por fim, nos casos em que o contrato original foi registrado em cartório, é recomendável que o distrato também seja registrado, a fim de conferir-lhe eficácia perante terceiros e garantir publicidade ao ato, conforme o princípio da continuidade registral.
4. Consequências Financeiras
A Lei nº 13.786/2018 estabelece diretrizes detalhadas para disciplinar as consequências financeiras do distrato em contratos imobiliários, com o objetivo de proteger os interesses tanto do comprador quanto do vendedor (incorporadora ou construtora). Essas disposições buscam prevenir abusos, promover a transparência e definir critérios objetivos para a rescisão de contratos de compra e venda de imóveis, especialmente quando o empreendimento ainda se encontra em fase de construção.
Os principais aspectos das consequências financeiras do distrato incluem:
Multa Contratual e Percentuais de Retenção: Em contratos celebrados em estandes de vendas ou fora do estabelecimento do incorporador, ao comprador é garantido o direito de arrependimento dentro do prazo de sete dias, com a devolução integral dos valores pagos, incluindo a comissão de corretagem.
Caso o distrato seja solicitado após esse período, a legislação permite a retenção de parte dos valores pagos pelo comprador, de acordo com a natureza do empreendimento. Quando o imóvel não estiver submetido ao regime de patrimônio de afetação, a incorporadora pode reter até 25% do montante pago. Já para imóveis sob o regime de patrimônio de afetação, a retenção pode ser de até 50%, uma vez que esse regime vincula o patrimônio do empreendimento às suas obrigações financeiras, proporcionando maior segurança ao comprador e justificando uma retenção mais elevada em caso de distrato.
Prazo para a Devolução dos Valores Pagos: Em empreendimentos não sujeitos ao regime de patrimônio de afetação, a devolução ao comprador deve ocorrer no prazo de até 180 dias a partir da formalização do distrato. No entanto, se a unidade for revendida antes desse período, o valor retido deve ser restituído ao comprador em até 30 dias após a revenda.
Nos empreendimentos sob o regime de patrimônio de afetação, a lei estabelece que o prazo de devolução das quantias pagas somente começa a contar após a emissão do "habite-se", documento que comprova a conclusão da obra e permite a sua ocupação. Essa exigência reflete as complexidades financeiras impostas às incorporadoras por esse regime, que protege o patrimônio do empreendimento em benefício dos compradores.
Impacto Financeiro para Ambas as Partes: As implicações financeiras do distrato afetam tanto o comprador quanto o vendedor. Para o comprador, as retenções e multas aplicáveis podem representar um ônus considerável, especialmente quando o percentual retido é elevado. Para a incorporadora, o distrato resulta em prejuízos financeiros e interrupções nos fluxos de caixa previstos, uma vez que o valor do contrato era essencial para a sustentabilidade do empreendimento.
Dessa forma, a Lei do Distrato visa equilibrar os interesses das partes envolvidas. O comprador, embora tenha o direito de rescindir o contrato, deve arcar com as consequências financeiras acordadas. A incorporadora, por sua vez, sujeita-se às restrições impostas pela lei quanto às retenções e multas, mantendo, contudo, o direito a uma compensação proporcional pela rescisão antecipada do contrato.
5. Implicações Práticas
No cenário prático, o distrato tem uma incidência significativa no mercado imobiliário, especialmente em contratos de compra e venda de imóveis na planta ou em construção. As situações que mais comumente ensejam o distrato incluem:
Desistência do comprador: Motivos pessoais, financeiros ou até mesmo o arrependimento em relação à aquisição são fatores comuns para a desistência por parte do comprador.
Descumprimento dos prazos de entrega: O atraso na conclusão das obras, muitas vezes provocado por questões logísticas ou econômicas, resulta na quebra do prazo contratual, o que pode justificar a solicitação de distrato.
Inadimplemento financeiro: Dificuldades econômicas que impeçam o comprador de continuar honrando os pagamentos devidos geram, por vezes, a necessidade de extinguir o contrato de forma consensual.
Ainda que o distrato seja uma solução prática e consensual para encerrar obrigações contratuais, não é incomum que litígios decorram de sua execução, principalmente quando existem divergências sobre os termos estabelecidos. As disputas judiciais mais comuns que surgem após o distrato envolvem:
Percentual de retenção: Frequentemente, o comprador contesta a porcentagem retida pela incorporadora, alegando valores excessivos ou abusivos.
Prazo de devolução dos valores: O prazo para devolução dos valores pagos é um ponto sensível, especialmente nos casos em que há demora para a restituição dos valores retidos, contrariando as disposições legais.
Cláusulas abusivas: Compradores podem alegar abusividade em cláusulas contratuais que consideram excessivamente onerosas, buscando sua nulidade ou modificação para mitigar os efeitos do distrato.
6. Conclusão
O distrato no direito imobiliário configura-se como um instrumento jurídico relevante para a extinção consensual de contratos, especialmente em um mercado marcado por volatilidade, como o de compra e venda de imóveis. A regulamentação proporcionada pela Lei nº 13.786/2018 trouxe importantes avanços em termos de segurança jurídica, ao estabelecer de maneira objetiva os procedimentos, prazos e penalidades aplicáveis à rescisão de contratos imobiliários.
No entanto, a aplicação da Lei do Distrato ainda enfrenta desafios na prática, particularmente no que se refere à celeridade na devolução dos valores pagos e à moderação das penalidades impostas. A legislação busca equilibrar os direitos do comprador e do incorporador, visando evitar abusos e definir limites para retenções e multas. Mesmo assim, interpretações divergentes e especificidades de cada contrato frequentemente resultam em litígios, tornando-se indispensável a assessoria jurídica especializada para garantir o adequado cumprimento das disposições legais e a proteção dos interesses das partes.
Diante do aumento das demandas judiciais sobre distratos imobiliários, é crucial que os contratantes compreendam plenamente os riscos e as consequências envolvidas. A observância dos termos contratuais, aliada ao respeito às disposições da Lei do Distrato, é fundamental para minimizar conflitos e assegurar uma resolução justa e equilibrada para ambas as partes.
Em suma, o distrato representa uma solução eficaz para a extinção de contratos imobiliários, mas seu sucesso depende de um planejamento cuidadoso e do respaldo jurídico. Com o avanço do mercado e as constantes evoluções legislativas, torna-se essencial que as partes atuem com diligência e transparência, contribuindo para a estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas no setor imobiliário.
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