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A Validade do Contrato de Gaveta no Direito Imobiliário: Uma Análise Jurídica dos Riscos e das Consequências

  • Foto do escritor: Valeria Meireles
    Valeria Meireles
  • 30 de set. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 8 de nov. de 2024

1. Introdução

O contrato de gaveta, prática comum no mercado imobiliário brasileiro, caracteriza-se por sua natureza informal e a ausência de registro no Cartório de Registro de Imóveis. Apesar de sua popularidade, decorrente da busca por procedimentos mais ágeis e menos custosos, esse tipo de contrato apresenta fragilidades jurídicas e riscos significativos. Neste artigo, analisaremos os fundamentos dessa prática, as razões pelas quais é escolhida pelas partes, e como sua informalidade impacta a segurança e a regularidade das transações imobiliárias no Brasil.

2. Aspectos Legais do Contrato de Gaveta

As transações imobiliárias no Brasil são regulamentadas por normas específicas destinadas a garantir a segurança e a publicidade dos negócios jurídicos. Conforme o artigo 108 do Código Civil, a compra e venda de imóveis cujo valor ultrapassa trinta salários mínimos deve ser formalizada por meio de escritura pública. Além disso, o artigo 1.245 do mesmo código estabelece que a efetiva transferência de propriedade se dá apenas com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis.

Muitos contribuintes optam pelo contrato de gaveta para evitar o pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), pois, segundo o Código Tributário Nacional, o fato gerador desse tributo ocorre no momento do registro do contrato no cartório. Contudo, a tentativa de adiar ou evitar o pagamento do ITBI, embora pareça vantajosa em um primeiro momento, acarreta riscos jurídicos substanciais.

A informalidade do contrato de gaveta impede a plena transferência dos direitos sobre o imóvel e compromete a segurança jurídica da transação. A ausência de registro faz com que, perante terceiros, o vendedor permaneça como proprietário formal do bem, o que pode resultar na ineficácia do contrato em eventuais disputas judiciais e na possibilidade de o imóvel ser alvo de penhora devido a dívidas do vendedor.

3. Validade Jurídica do Contrato de Gaveta

O contrato de gaveta, apesar de não registrado no Cartório de Registro de Imóveis, é juridicamente válido no âmbito da relação entre as partes que o celebraram. Isso significa que o contrato gera obrigações e direitos recíprocos, vinculando comprador e vendedor aos compromissos acordados, como o pagamento do preço e a entrega do imóvel. A validade do contrato de gaveta fundamenta-se no princípio da autonomia da vontade, previsto no artigo 104 do Código Civil, desde que atendidos os requisitos legais de agente capaz, objeto lícito e forma permitida em lei.

No entanto, essa validade é limitada em relação à produção de efeitos reais. Sem o devido registro, o contrato não transfere a propriedade do imóvel perante terceiros, conforme o artigo 1.245 do Código Civil. Assim, o vendedor continua como o titular formal do imóvel, e o comprador adquire apenas um direito pessoal, sem os direitos reais inerentes à propriedade.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma que o contrato de gaveta tem natureza meramente obrigacional e não confere ao comprador o direito real de propriedade. Esse entendimento demonstra que, apesar de válido entre as partes, o contrato de gaveta não altera a titularidade registral do imóvel, deixando o comprador sem a proteção do direito de sequela (o direito de reivindicar o bem perante terceiros) e vulnerável a disputas judiciais.

Ainda que a jurisprudência reconheça, em certas situações, direitos decorrentes do contrato de gaveta, como nos casos de usucapião ou quando se comprova a boa-fé do comprador e o pagamento integral do preço do imóvel, tais situações representam exceções e não garantem a mesma segurança que o registro formal da transação conferiria.

4. Riscos Envolvidos no Contrato de Gaveta

O contrato de gaveta, por sua informalidade e ausência de registro, expõe o comprador a riscos consideráveis. O principal risco é a inoponibilidade do contrato perante terceiros, pois o vendedor permanece como o titular formal do imóvel, podendo aliená-lo a terceiros ou utilizá-lo como garantia em outras negociações. Assim, mesmo que o comprador tenha cumprido suas obrigações, pode ser surpreendido pela venda do imóvel a outra pessoa ou pela penhora do bem devido a dívidas do vendedor.

A falta de registro também dificulta a defesa dos direitos do comprador em juízo. Em ações possessórias, reivindicatórias ou de usucapião, a ausência de um título formal torna a situação do comprador juridicamente precária, exigindo que prove a validade do contrato por outros meios, como testemunhas ou documentos informais, o que pode ser insuficiente ou ineficaz em tribunais.

Outro risco é a dificuldade de regularização do imóvel, pois a obtenção da escritura definitiva depende do consentimento do vendedor e da quitação de débitos pendentes. A resistência do vendedor ou a existência de dívidas podem prolongar a insegurança jurídica do comprador, impedindo o pleno exercício dos direitos de propriedade.

5. Regularização do Imóvel

A regularização de um imóvel adquirido por contrato de gaveta é um procedimento que demanda a observância de aspectos legais específicos. Uma das alternativas mais comuns é a usucapião, que possibilita ao comprador adquirir a propriedade após comprovar a posse contínua, mansa e pacífica pelo período exigido por lei. A usucapião pode ser realizada tanto judicialmente quanto extrajudicialmente, sendo esta última via mais célere, conforme previsto no artigo 216-A da Lei de Registros Públicos.

Outra possibilidade é a lavratura da escritura pública de compra e venda, caso o vendedor esteja disposto a formalizar a transação e transferir a titularidade do imóvel. Para viabilizar esse processo, o comprador deve garantir a quitação de eventuais débitos relacionados ao imóvel, como tributos, taxas condominiais ou financiamentos. Assim, a efetivação do registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis é assegurada, transferindo a propriedade de forma plena e legal.

6. Recomendações Práticas para Evitar Problemas

Para evitar os riscos do contrato de gaveta, é fundamental adotar procedimentos formais desde o início da transação imobiliária. A formalização da compra e venda por escritura pública é essencial para conferir segurança jurídica, e o registro no Cartório de Registro de Imóveis é indispensável para efetivar a transferência de propriedade e torná-la oponível a terceiros.

Ao adotar essas medidas, as partes asseguram que a transação imobiliária ocorra de forma segura e dentro dos parâmetros legais, minimizando a possibilidade de litígios futuros e garantindo a proteção dos direitos envolvidos

7. Conclusão

O contrato de gaveta, apesar de sua validade entre as partes, não oferece a segurança jurídica adequada para proteger os direitos do comprador, sendo uma prática que expõe a transação a riscos e incertezas legais. A formalização por escritura pública e o registro no Cartório de Registro de Imóveis são medidas essenciais para garantir a transferência de propriedade e a proteção contra possíveis litígios. A assistência de um advogado especializado é igualmente crucial para assegurar que a transação seja conduzida de forma segura, transparente e em conformidade com a legislação.

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1 comentario


Miembro desconocido
20 ene

excelente artigo.Parabéns.


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