MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.303/2025 E DECRETO Nº 12.499/2025: REESTRUTURAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO SOBRE ATIVOS FINANCEIROS E VIRTUAIS NO BRASIL
- Valletta Advocacia
- há 6 dias
- 8 min de leitura
Em 11 de junho de 2025, foram editadas pelo Governo Federal duas normas com vigência imediata e repercussões relevantes sobre o regime jurídico-tributário aplicável às aplicações financeiras e aos instrumentos do mercado de capitais: o Decreto nº 12.499/2025 e a Medida Provisória nº 1.303/2025. Tais diplomas normativos inserem-se em um esforço de reorganização da tributação sobre operações financeiras, fundos de investimento, ativos virtuais e fluxos internacionais de capitais, promovendo alterações substanciais na estrutura de incidência dos tributos federais incidentes sobre referidas operações.
As principais alterações promovidas por cada norma são analisadas nos tópicos a seguir, com o auxílio de quadros comparativos entre a disciplina anteriormente vigente e o novo regime jurídico instituído.
I. Revisão das Normas do IOF: Decreto nº 12.499/2025
O Decreto nº 12.499 revoga os Decretos nº 12.466 e nº 12.467, reorganizando a estrutura normativa do IOF. A seguir, destacam-se as principais modificações introduzidas:
a) Operações de crédito com pessoas jurídicas: o novo decreto promoveu a redução da alíquota adicional do IOF incidente sobre operações de crédito de 0,95% para 0,38%, aplicável por operação. No entanto, manteve-se a alíquota diária de 0,0082%, que representa um aumento de 100% em relação à alíquota anteriormente vigente para pessoas jurídicas, que era de 0,0041%. Essa alteração, embora configure redução nominal da carga sobre operações de maior prazo, onera substancialmente operações de crédito de curto prazo, nas quais o peso da alíquota diária se mostra determinante no custo efetivo da transação.
b) Operações de forfait (risco sacado): a incidência do IOF/Crédito permanece, com isenção da alíquota adicional. A responsabilidade pelo recolhimento continua atribuída à instituição financeira, afastando-se expressamente a figura do devedor como contribuinte, o que reforça a técnica do lançamento por substituição tributária.
c) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC): foi introduzida a incidência de IOF/Títulos à alíquota de 0,38% sobre as aquisições primárias de cotas de FIDC, inclusive por instituições financeiras, o que representa um marco na tributação de veículos de securitização. A nova regra exclui explicitamente as aquisições realizadas até 13 de junho de 2025, bem como as transações realizadas no mercado secundário, limitando-se às subscrições iniciais.
d) Operações de câmbio: restabeleceu-se a alíquota zero do IOF/Câmbio exclusivamente para liquidações cambiais destinadas ao retorno de recursos investidos por estrangeiros em participações societárias no Brasil, reforçando a atratividade do investimento direto. Contudo, as demais operações continuam sujeitas à alíquota de 3,5%, inclusive empréstimos de curto prazo, pagamento de serviços e remessas a investidores em instrumentos financeiros.
e) Seguros com cobertura por sobrevivência (VGBL): foram instituídos limites para a fruição da isenção de IOF nas contribuições realizadas por pessoas físicas:
De 11 de junho a 31 de dezembro de 2025, a isenção se aplica até R$ 300.000,00 por seguradora;
A partir de 1º de janeiro de 2026, o limite se torna anual e consolidado em R$ 600.000,00 por pessoa física, independentemente da quantidade de seguradoras.
Aportes que ultrapassem esses valores estão sujeitos ao IOF à alíquota de 5%. A isenção permanece para contribuições efetuadas por empregadores em nome de seus empregados, o que evita a oneração indevida de planos corporativos.
II. Redesenho da Tributação sobre Rendimentos Financeiros: MP nº 1.303/2025
A Medida Provisória nº 1.303/2025 representa uma das alterações mais abrangentes do regime tributário aplicável aos rendimentos financeiros no Brasil, com impacto direto sobre investidores pessoas físicas, jurídicas, residentes e não residentes. A medida rompe com o modelo regressivo tradicional, modifica estruturas de isenção, altera regras de compensação de perdas e consolida a integração fiscal de criptoativos.
a) Pessoas físicas: A MP nº 1.303 revoga o regime regressivo do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras, que variava entre 22,5% e 15% conforme o prazo da aplicação, e estabelece uma alíquota fixa de 17,5% para os rendimentos auferidos por pessoas físicas. Essa alíquota incide por meio de retenção na fonte (IRRF), sendo o valor recolhido considerado como antecipação do tributo devido na Declaração de Ajuste Anual (DAA). A medida implica, na prática, a revogação do tratamento de tributação exclusiva na fonte.
Além disso, os rendimentos passam a ser declarados de forma segregada, o que elimina a sistemática atual que distinguia rendimentos isentos ou tributados exclusivamente na fonte daqueles sujeitos à apuração global.
b) Ativos virtuais: Pela primeira vez, uma norma infralegal do sistema tributário federal explicita o enquadramento de ativos virtuais como instrumentos sujeitos ao IRPF sob a categoria de aplicações financeiras. A MP nº 1.303 determina que ganhos líquidos obtidos com ativos digitais, como criptomoedas, tokens, stablecoins e instrumentos similares, passam a ser tributados trimestralmente à alíquota de 17,5%, com recolhimento por meio de DARF próprio.
A norma também obriga a declaração dos ativos virtuais mesmo quando mantidos em custódia privada, ou seja, fora de exchanges reguladas, caracterizando um avanço na abrangência fiscal do sistema nacional. A compensação de perdas, quando houver, está limitada ao mesmo tipo de ativo (por exemplo, perdas com criptomoedas só podem ser compensadas com ganhos da mesma natureza), e apenas por até cinco trimestres subsequentes.
c) Fundos de investimento: A MP estabelece regime uniforme de tributação para fundos de investimento, abolindo a vinculação das alíquotas ao prazo de resgate ou composição de carteira. A nova sistemática fixa alíquota de 17,5% de IRRF sobre os rendimentos distribuídos, aplicável tanto a fundos sujeitos ao regime de come-cotas quanto àqueles não sujeitos, como os fundos de participações (FIP), fundos imobiliários (FII), ETFs e FIDC.
Fundos do tipo FII e Fiagro, quando atenderem a critérios de pulverização — mínimo de 100 cotistas, e limitação à concentração de cotas ou rendimentos em até 10% por cotista — passam a tributar os rendimentos distribuídos a pessoas físicas à alíquota reduzida de 5%, via IRRF. Caso o fundo perca o requisito de pulverização, dispõe de 30 dias para regularização, sob pena de aplicar-se a alíquota geral de 17,5%.
Fundos de índice (ETFs) que possuam em carteira ao menos 75% de ativos indexados a títulos de renda fixa passam a ter rendimentos tributados à alíquota de 20%. Se a carteira for composta exclusivamente por ativos incentivados (como LCI, LCA, CRI, CRA etc.), aplica-se alíquota reduzida de 7,5% para cotistas pessoas físicas, preservando parcialmente o incentivo.
No caso dos FIP-IE e FIP-PD&I, que investem em infraestrutura e inovação, as cotas emitidas até 31 de dezembro de 2025 mantêm isenção para pessoas físicas residentes; para as emitidas após essa data, aplica-se alíquota de 5%. Investidores não residentes continuam usufruindo da alíquota zero, desde que observadas as condições regulatórias do Banco Central, da CVM e do Conselho Monetário Nacional (CMN).
d) Investidores não residentes: A MP altera o regime fiscal aplicável aos investidores estrangeiros, majorando a alíquota geral de IR de 15% para 17,5%, nas hipóteses em que não haja isenção. A isenção foi mantida exclusivamente para operações em bolsa com ações, bônus de subscrição, certificados de depósito de ações e recibos de subscrição. Operações com derivativos, fundos e títulos de renda fixa passam a ser integralmente tributadas.
A norma também impõe um tratamento mais rígido aos residentes em jurisdições de tributação favorecida, que passam a ser tributados à alíquota de 25%, independentemente da natureza da operação. Isso tende a reduzir a atratividade de estruturas offshore para investimento em mercados brasileiros.
Importante inovação é a previsão de tributação da conversão de investimento direto (participações societárias) em investimento em mercado de capitais, com apuração da diferença entre o custo de aquisição e o valor de mercado das cotas ou ações. A conversão inversa (de mercado para investimento direto) permanece isenta.
e) Pessoas jurídicas: Para contribuintes sujeitos ao lucro real, presumido ou arbitrado, os rendimentos de aplicações financeiras passam a ser tributados na fonte à alíquota de 17,5%, a título de antecipação do IRPJ e CSLL. A compensação posterior poderá ocorrer na apuração trimestral ou anual, conforme o regime de tributação adotado pela pessoa jurídica.
A MP inova ao permitir o uso de subcontas patrimoniais para diferimento fiscal. No caso de cotas de FIA ou FIP, permite-se evidenciar em subconta a parcela do valor patrimonial decorrente de investimentos em controladas ou coligadas; no caso de cotas de FII ou Fiagro, o mesmo ocorre em relação a ativos imobiliários. Tais subcontas somente são integradas à base de cálculo do IRPJ e da CSLL no momento da alienação do ativo pelo fundo, possibilitando assim um diferimento legítimo de incidência tributária.
Para os casos em que o investimento em fundos seja registrado a valor justo (fair value), a diferença entre o custo contábil e o valor de aquisição também poderá ser evidenciada em subconta, sujeita às regras de avaliação de ativos a valor de mercado. Tais disposições aproximam a legislação tributária brasileira das práticas contábeis internacionais (IFRS), e respondem à demanda por maior simetria entre os regimes contábil e fiscal.
Por fim, a MP altera as regras de operações de hedge com contrapartes no exterior, permitindo a dedução de perdas mesmo em mercados fora do Brasil, desde que se trate de operações líquidas, com preço de mercado formado em bases públicas e registrado em bolsa ou mercado organizado. A alíquota zero de IRRF, antes restrita a derivativos relacionados a juros, moedas ou commodities, passa a alcançar qualquer operação de hedge que atenda a tais condições, ampliando significativamente o campo de planejamento tributário das empresas exportadoras e financeiras.
III. Tabela 1 – Decreto nº 12.499/2025: Alterações em relação à regra anterior do IOF
Tema | Regra Anterior | Regra Atual (Decreto nº 12.499/2025) |
IOF-Crédito – Alíquota adicional (PJ) | 0,95% por operação para pessoas jurídicas | Reduzida para 0,38%, igualando à alíquota das pessoas físicas |
IOF-Crédito – Alíquota diária (PJ) | 0,0041% ao dia | Elevada para 0,0082% ao dia (aumento de 100%) |
Forfait / Risco sacado | Sujeito à alíquota adicional e contribuinte era o devedor | Isenção da alíquota adicional e exclusão expressa do devedor como contribuinte |
FIDC – Antecipações e aquisições | Antecipações por FIDC sem previsão específica; aquisições primárias não eram tributadas | Incidência de IOF-Títulos à alíquota de 0,38% nas aquisições primárias; excluídas operações até 13/06/2025 e no mercado secundário |
IOF-Câmbio – Repatriação de capital estrangeiro | Ausência de alíquota zero expressa | Alíquota zero para liquidação de câmbio com retorno de capital estrangeiro em participações societárias |
IOF-Seguros – Aportes em VGBL (pessoa física) | Isenção sem limite formal; tentativa anterior de tributar aportes > R$ 50 mil/mês | Isenção até R$ 300 mil por seguradora (até 31/12/2025); depois R$ 600 mil/ano por CPF. Excedente tributa à alíquota de 5% |
Responsabilidade tributária | Em certos casos ambígua (ex: forfait) | Clarificada a substituição tributária pela instituição financeira ou fornecedor |
IV. Tabela 2 – Medida Provisória nº 1.303/2025: Alterações em relação à regra anterior do IR e CSLL
Tema | Regra Anterior | Regra Atual (MP nº 1.303/2025) |
IRPF – Aplicações financeiras (pessoa física) | Alíquotas regressivas de 22,5% a 15% (prazo da aplicação) | Alíquota única de 17,5% via IRRF; fim da tributação exclusiva na fonte |
Declaração de rendimentos | Separação entre rendimentos tributáveis e exclusivos na fonte | Todos os rendimentos passam a ser declarados de forma segregada |
Ativos virtuais (criptoativos) | Tributação controversa; sem previsão específica clara | Enquadrados expressamente como aplicações financeiras; alíquota de 17,5% trimestral |
Compensação de perdas (criptoativos) | Não regulamentada | Permitida apenas com ganhos da mesma natureza e por até cinco trimestres subsequentes |
Fundos de investimento | Regras variadas: come-cotas, isenções, alíquotas regressivas | Alíquota uniforme de 17,5% IRRF; FII/Fiagro: 5% se pulverizado; ETF: 20% ou 7,5% se incentivado |
Aplicações incentivadas (LCI, CRI etc.) | Isentas para pessoa física | 5% de IRRF sobre novos títulos emitidos a partir de 31/12/2025 |
Investidor estrangeiro | Alíquota geral de 15%; isenções amplas | Alíquota majorada para 17,5%; para paraísos fiscais: 25%; manutenção da isenção para ações em bolsa |
Conversão de investimento (direto → mercado) | Isenta | Passa a ser tributada sobre o ganho de capital apurado na conversão |
Pessoa jurídica – aplicações financeiras | Tributação na apuração trimestral ou anual, conforme regime | IRRF de 17,5% como antecipação do IRPJ/CSLL; uso de subcontas patrimoniais para diferimento |
Hedge com contraparte estrangeira | Dedução restrita; IRRF zero limitado | Dedução ampliada; alíquota zero de IRRF estendida a todos derivativos qualificados como hedge |
Distribuição de JCP | IR de 15% sobre os juros pagos | Alíquota elevada para 20% |
CSLL – Instituições de pagamento / fintechs | Alíquota de 9% | Alíquota majorada para 15% |
Comments